terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ouvir estrelas, de Olavo Bilac

Ouvir estrelas, de Olavo Bilac
Ouvir estrelas
Ora, (direis) ouvir estrelas!
Certo perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as
janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com ela? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

REFLEXÃO:

No meu entender, o autor se maravilhava com as estrelas no céu e pelo seu fascínio conversava com elas. Tudo o que admiramos na natureza, conseguimos nos relacionar com ela, se a pessoa tem um gato da qual gosta muito, ele dá carinho ao gato e se dirige àquele bicho como se estivesse falando com uma pessoa.

Assim também quem se maravilha com as estrelas chega a falar com elas, mesmo que seja aparentemente uma criatura inanimada, que não pode interagir com alguma expressão de emoção. A beleza das estrelas no olhar do observador já diz tudo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

DEFICIÊNCIAS, Mario Quintana

DEFICIÊNCIAS, Mario Quintana (escritor gaúcho nascido em 30/07/1906 e morto em 05/05/1994 .

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.

"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

"Diabético" é quem não consegue ser doce.

"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.

"A amizade é um amor que nunca morre."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

CHICLETES (João Cabral de Melo Neto)

Para mascar com chiclets
Quem subiu, no novelo do chiclets,
ao fim do fio ou do desgastamento,
sem poder não sacudir fora, antes,
a borracha infensa e imune ao tempo;
imune ao tempo ou o tempo em coisa,
em pessoa, encarnado nessa borracha,
de tal maneira, e conforme ao tempo,
o chiclets ora se contrai ora se dilata,
e consubstante ao tempo, se rompe,
interrompe, embora logo se reemende,
e fique a romper-se, a reemendar-se,
sem usura nem fim, do fio de sempre.
No entanto quem, e saberente que ele
não encarna o tempo em sua borracha.
quem já ficou num primeiro chiclete
sem reincidir nessa coisa (ou nada).
2.
Quem pôde não reincidir no chiclete,
e saberente que não encarna o tempo:
ele faz sentir o tempo e faz o homem
sentir que ele homem o está fazendo.
Faz o homem, sentindo o tempo dentro,
sentir dentro do tempo, em tempo-firme.
e com que, mascando o tempo chiclete,
imagine-o bem dominado, e o exorcize.
(MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas ( 1940-1965) . 4. ed. Rio de
Janeiro. José Olympio, 1986. p. 43.)






O poeta faz uma contemplação do ato de mascar chicletes e como o chiclete e o tempo são semelhantes, pois o chiclete ora se contrai, ora se dilata, assim a nossa percepção do tempo, tem coisas que parece que aconteceram a tanto tempo e outras que parece que foi neste instante.

Pátria minha (Vinicius de Moraes)

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades da minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto ajeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
A espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes".
(MORAES, Vinicius de, Poesia completa e prosa.
2. ed. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985. p. 267-9.)







Acima lemos o poema de Vinicius de Moraes em que ele homenageia o Brasil, sua pátria. Na leitura da poesia vemos diversas vezes citações de pequenos trechos do Hino Nacional. Vinicius durante o exílio sente profunda saudades do Brasil. Ele não vê sua pátria como uma mãe, mas como uma filha, o poeta sente pena da condição sofredora do seu país, e certa noite, na Inglaterra procurou no céu o Cruzeiro do Sul, como símbolo do Brasil, para quem sabe, matar um pouco a saudade do Brasil. Sua pátria é vista como uma mulher, e ele promete um dia voltar, não tardará.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

BERTOLD BRECHT

Desconfiai do mais trivial,
Na aparência do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceites o que é de hábito
Como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta,
De confusão organizada
de arbitrariedade consciente
de humanidade desumanizada,
Nada deve parecer natural
Nada deve parecer impossível de mudar.
Bertold Brecht





O ideal é buscar uma escola transformadora Humanista e Criativa contribuindo para formação do Ser através do conviver e do conhecer com o pensar reflexivo.
A partir do Poema de Bertold Brecht, procure refletir sobre quais são as possibilidades de mudança no cenário de desigualdades sociais e educacionais.
O poema acima chama o leitor à reflexão sobre aquilo que nos acostumamos. Toda visão por mais aterrorizante que seja se tivermos que conviver com ela frequentemente logo aceitaremos aquele horror como “normal”.


Em 2002 eu passei em primeiro lugar em um concurso público para a polícia judiciária, até ai nada de mais, o negócio é que o cargo era de Auxiliar de Necropsia, ou seja, teria que “dissecar” cadáveres de homens e mulheres, crianças e velhos que tiveram mortes violentas.

Antes de tomar posse do cargo, solicitei autorização ao médico-chefe, doutor Edson Fuim para poder participar como espectador das necropsias. A primeira necropsia eu fiquei chocado, vendo um ser humano que acabara de morrer ser “rasgado” como um boneco, o sangue ser colhido do seu corpo com uma concha para ser encaminhado para análise, seu cérebro ser desentranhado da cavidade craniana, entre outras cenas horríveis.

Quase desmaiei com aquelas cenas, mas na segunda necropsia já me sentia mais a vontade. Bastaram alguns dias e eu já me sentia habituado. Acabei não aceitando o cargo público porque havia passado em outro concurso mais agradável e melhor remunerado, mas nunca esqueço a lição de que se fosse preciso eu aceitaria novo hábito.

Mas trabalhar com necropsia policial não é o mal citado pelo Poeta. Bertold tinha em mente ao escrever este texto acima, outro tipo de conformismo, o conformismo com os males da sociedade, a desumanidade, o aceitar a injustiça como coisa corriqueira. O pior do ser humano é quando perdemos a capacidade de se indignar com o Mal.

Devemos buscar a revolução, não a revolução bolchevista, ou comunista, mas a revolução íntima, se cada um procurar mudar a si mesmo, já estará contribuindo para a mudança do mundo, se conseguirmos incitar-nos a nós mesmos a mudarmos já estaremos transformando a sociedade.

As desigualdades sociais não serão corrigidas com invasões de terras, matando os ricos e os membros da oligarquia, Esta é uma política de substituição de um grupo dominante por outros. O que precisamos é conscientizar os que possuem terras a serem generosos para que outros possam plantar e colher e todos possam viver bem. Não precisamos matar os ricos e sim criar novos ricos, dando oportunidades para que pessoas empreendedoras também consigam sucesso em suas empreitadas.

Na educação a evolução também deve seguir o mesmo parâmetro, ou seja, não é exterminando os que estão no poder, mas criando escolas públicas com padrões de escolas particulares.

As mudanças geram conflitos de interesses, daqueles que já estão “habituados” as mordomias da sua condição e a indignação daqueles que não se conformam com subjugação opressiva.

“Nada deve parecer natural”, faz-me lembrar que durante séculos, tratarem os negros como criaturas inferiores era “natural”. Vários seguimentos do cristianismo acreditavam que os negros não tinham almas. No começo do século XX, li um periódico da época, das Testemunhas de Jeová, a revista “Watchtower” que dizia em um artigo que “os negros deveriam se assentar nas galerias ao fundo, que era o lugar mais apropriado para eles no salão de culto. Como naquela época tomo mundo menosprezava os negros, ninguém se chocava com tais recomendações.

Bertold termina salientando que “nada deve parecer impossível de mudar”. A humanidade já deu vários saltos na ciência graças as pessoas que desafiaram o impossível. Agora cada um deve desafiar a si mesmo e procurar a revolução interna, desafiando seus defeitos e vícios, acreditando que possui virtudes e capacidades que o levará mais longe na vida. O educador, mais do que qualquer outro profissional deve ter consciência que seu trabalho é sacerdotal, é sagrado, é santo, e sua missão é transformar seus alunos em pessoas melhores.




“TÁ DIFÍCIL, MAS NUM TÁ IMPOSSÍVEL !!!”